Charles Dickens em Casablanca
"Imagina-te daqui a 20 ou 30 anos. Casada. E o teu casamento já não tem a energia que tinha e começas a pensar em todos os homens que conheceste na vida, e se realmente fizeste uma boa escolha. Pensa que um desses tipos, podia ser eu. Ou então sou um completo falhado e psicopata e apanhas o próximo comboio."
Confesso que não era assim que este blog ia começar, mas há coisa de 15 minutos estava a fazer zapping e no Hollywood estava a dar "Antes do Amanhecer", precisamente nesta cena. Achei curioso.
O que me traz aqui hoje, caro leitor, embora suspeite que será cara leitora, é um livro de 1843 e um filme de 1942. Curiosamente nunca lhes pus a vista em cima. Nunca li o Christmas Carrol e muito menos passei a vista por Casablanca. Sacrilégio! - gritarão os puritanos dos clássicos, mas nunca me bateu para aí. Acho que descubro as coisas depois do tempo. Lembro-me de ver, andava eu no 12º ano, escrito nas paredes do WC So, so you think you can tell, heaven from hell, blue skys from pain, sem fazer a mínima ideia do que era...
E perguntam vocês como é que um livro que não li, um filme que não vi (e a foto onde eu não entrei) poderão servir de inspiração para este post. Muito simples. Como vos disse atrás, se calhar descubro as coisas da mesma forma que reajo a elas: tarde demais. Para mim, o Christmas Carrol sempre foi um daqueles contos victorianos, escrito em menos de um mês para pagar as contas, e que se tornou num grandioso clássico de Natal. Descobri esta semana que talvez não seja assim.
Escrevi algures que era estranha a capacidade que o presente tinha de nos fazer reavivar o passado. Sim, acho que posso dizer que recebi a visita do fantasma do Natal presente. Podia ter sido apenas uma visita, mas como qualquer fantasma provido de vida eterna, não vem só de passagem, e faz muito mais que se passear de lençol branco. Nem tinha grande mal, mas trouxe o fantasma do Natal passado. E se o do presente incomoda, o do passado transtorna. O fantasma do Natal passado relembra que, como diz o outro, a vida é simples e fácil de perder. Relembra sentimentos e situações que talvez não quisséssemos voltar a experimentar. Aquela caixinha onde não se mexe, mas que, curiosamente, nos ajuda a lidar com o Natal presente. Será assim tão mal receber a vista dos dois ao mesmo tempo? Direi que não, só se faz um bule de chá, e um pacote de bolachas serve para os dois. O presente foi resolvido à custa dos erros do Natal passado. Bem ou mal resolvido não sei, mas foi resolvido. O fantasma do passado retirou-se e deixou apenas o do presente. Já não há a nada a fazer com o do passado, e o presente tem um fantasma. Tal como Ebenezer Scrooge, começo a perceber a visita dos fantasmas, e aguardo a visita dos Natais futuros...
Como já disse, não vi o Casablanca, e por uma razão que agora não interessa dissecar, fiquei a saber que na cena de despedida entre Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, há uma frase em que ela pergunta "E nós, Rick?" ao que Humphrey Bogart do alto da sua integridade responde "Nós? Nós sempre teremos Paris...". O raio da frase marcou-me. Ou melhor, o significado dela é que me marcou, aliado ao fantasma do presente do Charles Dickens.
Serviu neste caso o fantasma do Natal passado para me lembrar que todos temos Paris. Se calhar não temos Paris com quem queríamos, mas de certeza que já tivémos muitos instantes na vida. Momentos, frases que nos marcaram, e que, todos podemos dizer que, seja em Sintra, no Monte dos Burgos ou em qualquer outro lugar, teremos sempre Paris...
Nota: Obviamente este post não se enquadra nem um pouco mais ou menos na qualidade e conteúdo dos textos anteriores, mas era uma coisa que tinha de escrever. Pode ser que um dia escreva um romance ao que chamarei O Pinheiro Manso que sabia a Mel. :)